Como não produzir energia: lições da usina hidrelétrica de Belo Monte no Brasil

Na cidade de Altamira, localizada na Amazônia brasileira, os impactos da usina hidrelétrica de Belo Monte são sentidos todos os dias nas casas de concreto em ruínas, nas ruas alagadas e por meio da violência e do desemprego.

Embora sua construção esteja quase completa e 90 mil trabalhadores tenham deixado a região, a luta pela proteção de direitos reverbera por vizinhanças vazias e estradas sem vida.

Da sua concepção à execução, a usina no rio Xingu foi um desastre ambiental e de direitos humanos. Ao longo do processo, o governo brasileiro sustentou que Belo Monte seria uma solução energética limpa e climaticamente sustentável. Entretanto, devido à falta de consultas públicas às comunidades atingidas e aos graves impactos socioambientais, Belo Monte se tornou um exemplo emblemático de como não produzir energia no século 21.

Flickr/International Rivers/(CC BY-NC-SA 2.0)

Native Brazilians from the Amazon basin demonstrate against the construction of the planned Belo Monte hydroelectric dam, in Brasilia February 8, 2011.


O que antes era uma pacata cidade ribeirinha no coração da Amazônia, Altamira cresceu rápida e caoticamente nos anos seguintes ao início do projeto da hidrelétrica, tornando-se a cidade mais violenta do Brasil – em 2015 ela registrou o mais alto índice de homicídios do país. Com as grandes mudanças ambientais causadas pela construção da usina, aproximadamente trinta mil pessoas foram deslocadas de suas casas, comunidades indígenas perderam sua conexão com a floresta, e pescadores da região foram afastados do rio.

Belo Monte simboliza os danos de implementar desenvolvimento energético na América Latina a despeito dos seus impactos. O projeto foi financiado por um dos principais bancos de desenvolvimento da região, o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) do Brasil, representando seu maior investimento em toda a história.  

Promovida como um projeto para as populações mais pobres, Belo Monte está envolvida no maior escândalo de corrupção na história da região e é apenas um dentre centenas de megaprojetos executados por governos, instituições e corporações multinacionais sem planejamento adequado ou investigação.

Muito embora grandes usinas hidrelétricas sejam comumente promovidas como fonte de energia “verde”, pesquisas mostram que elas causam desmatamento em massa, especialmente nas florestas tropicais. Um estudo da Washington State University revelou que os reservatórios das usinas hidrelétricas de todo mundo geram 1,3% de toda a emissão de gases estufa produzidos pelo homem – mais do que o Canadá inteiro.

Em tempos de mudança climática, planejamento minucioso e estudo de alternativas de energia limpa devem ser a base de todos os novos investimentos energéticos. Projetos devem ter processos de planejamento e licenciamento participativos e transparentes em que todas as partes interessadas tenham o direito de participar. Avaliações minuciosas de impacto ambiental devem incluir todos os danos potenciais e maneiras de preveni-los ou mitigá-los.

Belo Monte fracassou no cumprimento dessas regras e as consequências são devastadoras.

Infelizmente, Belo Monte não é uma exceção: muitas políticas climáticas e projetos de desenvolvimento de energia supostamente “limpa” têm causado impactos negativos em comunidades e ecossistemas ao redor do mundo. Projetos similares podem ser encontrados pela Amazônia – que tem mais de cem usinas hidrelétricas construídas e mais 288 planejadas – e pelo mundo.

A exceção no caso Belo Monte, entretanto, é o protesto sem precedentes das populações indígenas contra a usina. Tribos de toda a Amazônia se reuniram para protestar contra a construção da hidrelétrica e lutar pela proteção da vitalidade de sua floresta nativa.

Pescadores tradicionais, comunidades ribeirinhas locais e ativistas brasileiros e internacionais juntaram-se a eles no protesto. Eles se tornaram guerreiros na luta pela defesa de um de nossos recursos naturais mais preciosos, a Amazônia. Suas vozes ecoaram por todo o mundo e Belo Monte tornou-se uma palavra de ordem. Mas suas vozes não chegaram ao lugar mais importante de todos – a mesa de negociações.

Os operadores de Belo Monte não respeitaram o direito das comunidades indígenas à consulta livre, prévia e informada. Os encontros realizados para explicar os impactos da usina foram extremamente inadequados – as populações indígenas tiveram dois dias para analisar 26 mil páginas de estudos técnicos sem intérpretes e os impactos ambientais nunca foram completamente estimados.

Esse é um problema que ocorre repetidamente em projetos de desenvolvimento por toda a região. Ainda que o direito internacional exija, comunidades tribais e indígenas não são devidamente consultadas e os impactos dos projetos não são devidamente avaliados ou explicados.

O respeito aos direitos indígenas e avaliações minuciosas como a que deveria ter sido feita em Belo Monte representam uma oportunidade inestimável para o ativismo ambiental e em direitos humanos, de modo a garantir que as vozes das populações indígenas e outras comunidades afetadas sejam ouvidas e respeitadas, e a incorporar ameaças climáticas na fase de planejamento de projetos energéticos. Mudança climática é, afinal de contas, um problema de direitos humanos.

É imperativo que os governos considerem os direitos humanos de comunidades vulneráveis no desenvolvimento de políticas climáticas e na execução de projetos focados na transição para energia limpa. A linguagem de direitos humanos foi incluída nos acordos de Cancun e Paris e deve fazer parte das discussões sobre a implementação do Acordo de Paris na próxima Conferência do Clima em Bonn (COP23), especialmente no que diz respeito à energia e água.

"As soluções para alguns de nossos maiores problemas podem ser encontradas se deixarmos as comunidades afetadas conduzirem o processo."

As soluções para alguns de nossos maiores problemas podem ser encontradas se deixarmos as comunidades afetadas conduzirem o processo.

Mas com um projeto tão profundamente arraigado no sistema político local, tanto cidadãos como o Ministério Público tem sido incapazes de encontrar justiça nas cortes brasileiras, apesar de mais de 60 ações judiciais impetradas contra o projeto.

Em 2010, os movimentos de defesa do Xingu estavam determinados a encontrar justiça para as comunidades afetadas onde ela ainda não havia sido feita. Como membro da Associação Interamericana para a Defesa do Ambiente (AIDA), auxiliei as comunidades locais a levarem seu caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a requerer medidas cautelares para a garantia da vida, saúde e integridade das populações indígenas afetadas por Belo Monte. A Comissão concedeu essas medidas no ano seguinte, pedindo a suspensão do licenciamento ambiental e a paralização das obras.

Infelizmente, mesmo instituições internacionais encarregadas pela proteção de direitos humanos são vulneráveis à pressão. A reação brasileira – com a retirada de seu embaixador e a suspensão de sua cota anual de financiamento – não tem precedentes, representando um ataque hostil à Organização dos Estados Americanos. Em resposta, a Comissão revisou suas medidas cautelares, mantendo o destaque à garantia dos direitos indígenas, mas retirando o pedido de suspensão do licenciamento e paralização das obras.

Ainda hoje, com a construção da usina hidrelétrica quase completa, o caso permanece aberto na Comissão, e o Brasil se vê forçado a responder às alegações de violações de direitos humanos provocadas pela usina. A justiça nesse mecanismo é geralmente lenta, mas nós da AIDA estamos confiantes de que será alcançada.

Conforme o mundo se concentra nas ações climáticas globais com a COP23 em andamento nesta semana, governos e corporações devem parar de insistir no modelo de projetos energéticos que é o principal motivo dos nossos problemas, como é o caso de Belo Monte.

Ao invés disso, eles deveriam, ao lado dos ativistas, dirigir sua atenção a projetos de energia sustentável e renovável que protejam nosso clima e respeitem plenamente os direitos humanos. As soluções existem e estão disponíveis hoje; o que falta é a vontade política de executá-las. Os líderes mundiais nas negociações climáticas tem o poder de realizar mudanças efetivas. Mas os ativistas devem manter-se vigilantes para garantir que esses progressos realmente aconteçam.