Sem dados, sem prestação de contas: solucionando a violência racial nos Estados Unidos

A enorme lista de incidentes expostos publicamente sobre o uso da força pela polícia contra homens afro-americanos nos últimos dois anos é tanto uma demonstração do poder das mídias sociais, quanto uma revelação dos déficits de prestação de contas governamentais dos estados, municípios e da federação. No entanto, a extrema violência por parte dos agentes responsáveis pela aplicação da lei contra os homens afro-americanos não é um fenômeno novo. Ela foi  descrita no Relatório da Comissão Kerner após os levantes públicos de 1960 e continua a ser um legado histórico do poder das agências de aplicação da lei sobre as vidas e corpos dos homens negros. Enquanto W.E.B. DuBois usou seus brilhantes ensaios publicados na revista The Crisis da NAACP (National Association for the Advancement of Colored People, no nome original em inglês) para expor os horrores dos linchamentos nos Estados Unidos no início do século XX, movimentos contemporâneos como o Black Lives Matter e seus aliados têm usado o Twitter, Facebook, Snapchat, FaceTime e plataformas de redes sociais relacionadas - juntamente com os sempre presentes vídeos de celulares - para expor os excessos da polícia.

‪Os Estados Unidos ratificaram tardiamente a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial (CERD), somente em 1994, e de acordo com a organização American Civil Liberties Union (ACLU, no nome original em inglês) o país ainda não conseguiu implementar plenamente elementos centrais desse tratado. Este fracasso é especialmente evidente na área de justiça criminal, em que os afro-americanos, hispânicos e indígenas estadunidenses são desproporcionalmente parados e revistados, presos, encarcerados e condenados à pena de morte. Eles são mais susceptíveis de ter pedidos de fiança negados, mais propensos a ser julgados como adultos quando são menores de idade têm menos chance de ser empregados, quando são libertados da prisão.


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Without adequate data, the full scope of racial violence in the US cannot be articulated.


‪Não há indicadores estatísticos confiáveis ​sobre o uso da força letal por parte da polícia. 

Ademais, ao que tudo indica, embora isso não seja oficial, já que não há um banco de dados unificado sobre o assunto, eles também são mais propensos a ser vítimas da força policial excessiva. Assim como não havia estatísticas oficiais sobre os linchamentos na época de DuBois, atualmente, não há indicadores estatísticos confiáveis ​sobre o uso da força letal por parte da polícia. Apenas recentemente o Departamento de Justiça dos Estados Unidos propôs uma metodologia praticamente não testada para tentar agregar os dados conhecidos em âmbito local sobre os tiroteios policiais.

‪Sob o comando de Edgar Hoover, o FBI começou a produzir um relatório anual sobre os principais crimes e delitos cometidos em quase todas cidades e estados. Estes relatórios oficiais, que começaram a ser produzidos em 1932, contêm informações sobre homicídios, estupros, roubos, estelionatos e roubos de automóveis e são utilizados pelos formuladores de políticas para mensurar as tendências que requerem medidas corretivas.

‪Não é de se surpreender, que as estatísticas oficiais sejam silenciosas sobre o uso da força policial contra afro-americanos inocentes. Isso não impediu que especialistas e outras pessoas contestarem se, de fato, existem nos fatos disparidades raciais no uso de força letal pela polícia. Por exemplo, em um relatório amplamente criticado e que não foi publicado, elaborado por uma equipe de estudantes coordenados pelo economista de Harvard Roland Fryer, evidências coletadas de diversos distritos policiais não mostraram usos racialmente diferentes da força letal. Embora algumas pessoas tenham apontado várias falhas metodológicas na análise estatística resultante dos dados unilaterais da polícia, uma objeção mais convincente é que não existe um banco de dados federal unificado sobre as mortes de cidadãos desarmados cometidas por policiais, apesar do fato que por quase um quarto de século, há um mandato federal para coletar tais dados. O fato de que sabemos tão pouco sobre os homicídios policiais de homens negros, se atribui à falta de prestação de contas por parte das agências de aplicação da lei municipais, estaduais e federais.

‪Desde 1992, o FBI vem coletando informações sobre os crimes de ódio, um indicador clássico das violações de direitos humanos. Algumas pessoas alegam que as autoridades federais não consideram os homicídios de civis desarmados cometidos pela polícia como crimes de ódio. Ainda assim, os dados oficiais não parecem apresentar evidências de uma escalada nos tipos de crimes de ódio que são relatados às autoridades.

‪Inicialmente, o FBI classificou os crimes de ódio que aparentavam ter sido causados por preconceito baseado na raça, religião, orientação sexual ou etnia nos seguintes tipos de delitos: crimes contra pessoas, assassinatos e homicídios dolosos, estupro (definição revisada e definição tradicional), lesão corporal qualificada, lesão corporal de natureza leve, ameaças, crimes contra o patrimônio, roubo, assalto, estelionato, roubo de veículo motorizado, incêndio culposo, destruição/dano qualificado/vandalismo, crimes contra a vida em sociedade, entre outros. Os homicídios policiais de infratores desarmados não estão presentes nesta lista. Contudo, é esclarecedor rever o que sabemos sobre esses crimes relatados às autoridades.

‪Com as recentes mudanças na legislação federal, agora os crimes de ódio estão sendo definidos como qualquer “crime contra uma pessoa ou propriedade completamente ou parcialmente motivados pelo preconceito de um infrator contra uma raça, religião, deficiência, orientação sexual, etnia, gênero ou identidade de gênero.” Alguns crimes de ódio, como aqueles com base na orientação sexual, aumentaram de 1.016 para 1.393  ocorrências entre 1996 e 2001 e depois diminuíram para 1.017 ocorrências em 2014. De 1996, até o presente, os crimes de ódio motivados por questões raciais diminuíram significativamente. Os crimes de ódio com motivações raciais contra os negros caíram de 3.674 em 1996 para 2.486 em 2002. Houve uma pequena elevação registrada nos crimes de ódio contra os negros em 2008, o ano da eleição de Barack Obama para seu primeiro mandato, com uma elevação para 2.876 ocorrências. Mas, em 2014, os números tinham caído novamente para 1.621 ocorrências.

‪No entanto, poucos analistas, acreditam que o sentimento de ódio contra os negros nos Estados Unidos tenha diminuído somente porque os crimes de ódio registrados diminuíram.

Este é apenas mais um exemplo de por que é difícil compreender  a magnitude dos atos racistas na sociedade. Sendo que a iminente crise das contínuas divisões raciais não resolvidas nos EUA seguem sendo uma questão de percepções, ao invés de uma questão de meticulosa análise empírica.

Caso os ativistas de direitos humanos queiram fazer uma incidência mais incisiva para encontrar uma solução contra a violência racial, eles devem advogar por relatórios e documentação mais vigorosos produzidos por cada departamento de polícia e agência de aplicação da lei no país.