Confrontando o populismo de Bolsonaro – principais estratégias para proteger os direitos humanos

Após 100 dias da presidência de Jair Bolsonaro, estão claros os principais desafios para os direitos humanos diante da retórica e das ações da nova administração. Esses desafios incluem a ameaça de monitoramento das organizações da sociedade civil, políticas de segurança mais duras que devem aumentar ainda mais a impunidade das forças de segurança e ameaças contra os povos indígenas e as terras sob sua proteção. No mês passado, Bolsonaro recomendou a comemoração do aniversário de 55 anos da ditadura militar no Brasil, ao passo que tem consistentemente minimizado os abusos cometidos sob aquele regime. Essas são as má notícias.

O Brasil é apenas um dos muitos países que, nos últimos anos, se voltaram a líderes populistas autocráticos e antidireitos. Rodrigo Duterte nas Filipinas, Viktor Orban na Hungria, Recep Erdogan na Turquia, Benjamin Netanyahu em Israel e Donald Trump nos Estados Unidos adotaram estratégias conscientes para atacar as normas democráticas e os direitos humanos. A boa notícia é que temos muito a aprender com a crescente resistência em cada um desses países.   

Aqui estão dez dicas para aqueles que se preocupam com os direitos humanos no Brasil:

Priorize, mantenha o foco e ofereça soluções, não apenas problemas

O governo do Brasil já está em desordem, rachado por diferenças ideológicas e confrontos de personalidade, e não obteve ainda a aprovação de nenhuma proposta no Congresso. A oposição política no Brasil está enfraquecida e fragmentada. Todos os dias – a cada momento – há uma nova controvérsia, um tuíte escandaloso, um meme, uma exoneração, uma especulação sobre qual Ministro está entrando ou saindo. O país está cada vez mais polarizado e dividido. Em meio a essas constantes agitações, é necessário foco incansável nas principais prioridades dos direitos humanos e estratégias claras para abordá-las. E uma lembrança constante de que os valores que sustentam os direitos humanos – compaixão, dignidade, justiça, decência e crença de que todas as vidas humanas têm valor igual – não pertencem à esquerda ou à direita, mas transcendem as divisões políticas.

Proteja as instituições que protegem os direitos humanos

O governo já tomou decisões, anunciou políticas e utilizou retóricas altamente prejudiciais aos direitos humanos e às principais instituições que podem e devem proteger esses direitos. O presidente denunciou a imprensa como "inimiga do povo" e anunciou medidas para "supervisionar" as ONGs. Ativistas devem priorizar a defesa de uma imprensa livre, sem restrições, e garantir que as ONGs tenham independência para se pronunciarem, mesmo que isso signifique criticar as ações do governo e protestar contra todos os esforços para politizar o judiciário.

Proteja a verdade e documente fatos

Em seu sábio livro “Sobre a tirania”, Timothy Snyder diz: “Abandonar os fatos é abandonar a liberdade”. A documentação e a defesa de direitos humanos devem estar enraizadas na apuração detalhada de fatos. Novas tecnologias – imagens de satélite, investigações de código aberto e análises quantitativas têm muito a oferecer. Mas o trabalho principal exigirá tempo e compromisso para escutar as vítimas e testemunhas e então assegurar que as informações sejam usadas para promover a responsabilização do governo.

Crie novas alianças

Se os direitos humanos devem inspirar novas audiências, os ativistas precisam encontrar novas maneiras de trabalhar com grupos ambientalistas, movimento sindical, líderes indígenas, ativistas nas favelas, pessoas sem-terra e, talvez fundamentalmente, comunidades religiosas para criar uma coalizão multidisciplinar além da comunidade formal de direitos humanos. Tais alianças são essenciais para maximizar o apoio aos valores dos direitos humanos e mostrar que estes são essenciais – e não contrários – à segurança pública, o desenvolvimento econômico e outras preocupações fundamentais da população brasileira.    

Palavras importam  

Uma estratégia importante dos populistas autocráticos é a manipulação da linguagem e a representação dos direitos humanos como incompatíveis com imperativos sociais e morais mais amplos. Em resposta, precisamos usar as palavras com cuidado e estrategicamente. Precisamos sofisticar as formas de usar a linguagem e contar histórias sobre a vida de pessoas comuns – já que as histórias são lembradas de uma maneira que fatos não são – e oferecer soluções, esperança e um futuro melhor.

Engaje o governo sempre que possível

O acesso a servidores do governo é significativamente reduzido para ativistas de direitos humanos e seus aliados. As portas não estão abertas como talvez estiveram nas administrações anteriores. Mas o engajamento pode fazer uma diferença real. Haverá alguns aliados e servidores simpatizantes – mesmo em cargos mais baixos de governo – que estarão abertos ao diálogo e com quem se pode trabalhar. E representantes de diversos partidos da oposição no Congresso precisam ser engajados para que tenham informações e sejam pressionados a tornar a proteção das questões de direitos humanos uma prioridade.   

Atue globalmente e também localmente

A luta pelos direitos humanos no Brasil deve e será liderada por brasileiros e grupos brasileiros. Mas a solidariedade internacional pode e deve ser uma parte importante da luta pelos direitos humanos. O Brasil desempenha papel-chave regionalmente e é um ator internacional importante na ONU, incluindo no Conselho de Direitos Humanos da ONU e no G-20. Focar-se nos direitos humanos na política externa do Brasil e seu engajamento com o mundo é uma parte essencial da luta. Será essencial criar alianças e parcerias com ativistas internacionais e trabalhar em estreita colaboração com grupos internacionais em atividade no Brasil.

Proteja pessoas e informações

Confrontar abusos da autoridade traz riscos de segurança a ativistas, a aliados, e àqueles que ativistas buscam apoiar. Um treinamento para a segurança da informação e proteção física é essencial para todos os envolvidos no ativismo pelos direitos humanos. É necessário buscar financiamento de doadores para proteger ativistas, especialmente os mais vulneráveis: líderes indígenas, ativistas LGBTI e nas favelas. E os ativistas precisam se proteger e priorizar o treinamento e outras ações para minimizar o estresse e promover a resiliência psicológica diante da enorme hostilidade.

Dinheiro importa. Desenvolva financiamento local:

Grupos de direitos humanos no Brasil enfrentam desafios para arrecadar dinheiro localmente devido à tendência da filantropia brasileira de apoiar programas com entrega imediata nas áreas de saúde, educação e proteção ambiental. A atual situação dos direitos humanos é, portanto, um desafio e uma oportunidade. O ativismo pelos direitos humanos precisa ser ampliado drasticamente e isso exigirá maior financiamento. Mas quando todo o financiamento vem de fora do país, a legitimidade dos atores locais de direitos humanos é enfraquecida.

Quando histórias convincentes sobre o propósito e a eficácia do ativismo pelos direitos humanos forem compartilhadas, doadores serão descobertos. Investir no desenvolvimento de estratégias de captação de recursos locais, com grandes e pequenos doadores, é essencial tanto para financiar o trabalho de direitos humanos como para o desenvolvimento de compromissos locais e nacionais com esse trabalho.

Seja filosófico

Por mais que trabalhemos duro para proteger os direitos e a dignidade de todos, temos que aceitar que não somos mestres do universo. Nem tudo está sob nosso controle. Nós não venceremos todas as batalhas. Quando tivermos nossos contratempos e derrotas, devemos aceitá-los sem perder de vista a necessidade e força da nossa luta pelos direitos de todos – especialmente os mais vulneráveis, marginalizados e discriminados.

Este artigo foi originalmente publicado em português como 100 dias de Bolsonaro: os desafios dos direitos humanos no Nexo.