Grupos de direitos humanos no Sul Global dependem em grande medida de recursos externos, como Ron e Pandya apontaram aqui. Segundo estes autores, os motivos para esta dependência não são pobreza ou a cultura predominante em seus países de origem; ao invés disso, o problema real consiste no que os autores chamam de “preferências filantrópicas locais.”
Uma das lideranças de direitos humanos no Brasil, Lucia Nader ressaltou que, embora economias emergentes tenham crescido, no âmbito local “ONGs de direitos humanos [nestes países] têm visto seus orçamentos reduzidos.” A disposição internacional de financiar o trabalho em direitos humanos em economias emergentes tem diminuído, e doadores destes países ainda não ocuparam este espaço.
Eu moro e trabalho no Brasil. Do meu ponto de vista, está claro que o financiamento externo para trabalho de direitos humanos no Brasil está cada vez mais escasso. Por exemplo, uma pesquisa recentemente publicada por meus colegas do Centro de Estudos em Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Articulação D3 sugere “uma queda significativa nos recursos provenientes de cooperação internacional solidária.” O relatório reconhece o problema de falta de dados confiáveis, mas os pesquisadores acreditam que estes dados revelam tendências reais.
Embora eu concorde com Ron e Pandya que parte da culpa deva ser atribuída a “preferências filantrópicas locais” no Brasil e em outros países, a análise destes autores não trata das raízes do problema, tampouco sugere mudanças concretas.
Primeiro, vamos tratar de financiamento público. Por um lado, o governo brasileiro tem feito um bom trabalho alocando uma quantidade considerável de recursos públicos para ONGs locais. Por exemplo, entre 2008-2012, o governo federal destinou mais de 6.5 bilhões de reais (USD $ 2.7 bilhões) a ONGs (de acordo com dados oficiais).
Portanto, o problema não é a falta de recursos púbicos, mas sim a sua destinação. A maioria deste dinheiro é destinada a organizações que se associam ao Estado para a prestação de serviços, especialmente nas áreas de assistência social, educação e saúde.
Por outro lado, organizações que atuam em outras áreas ou que atuam com pesquisa, advocacy e monitoramento de políticas públicas - no trabalham no “estilo direitos humanos,” para usar o termo empregado por Ron e Pandya – não recebem o mesmo apoio financeiro.
Em outras palavras, o Brasil não destina diretamente recursos públicos a organizações que atuam em nome da própria sociedade civil. Ao invés disso, o Estado brasileiro prefere destinar seus recursos para entidades sem fins lucrativos que proporcionem utilidades imediatas. Isso pouco contribui para mudar o sistema, e não capacita indivíduos ou grupos da sociedade civil a se tornarem agentes ativos do crescimento.
O que o Brasil precisa, em minha opinião, é um fundo público de apoio ao desenvolvimento sustentável da sociedade civil, com base em princípios de direito internacional dos direitos humanos e na legislação nacional. Tal fundo estaria de acordo com os valores de nossa Constituição, a qual estabelece que a sociedade civil brasileira deve desempenhar um papel fundamental na vida do país. Considere, por exemplo, o art. 194, que estabelece que “seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade”; o art. 225, segundo o qual não apenas o estado mas também a sociedade deve proteger e promover o meio-ambiente; ou o art. 227, que impõe à sociedade o dever de assegurar, com prioridade, os direitos de crianças). Este fundo pode integrar a estrutura governamental, mas deve desfrutar de autonomia suficiente para manter sua independência em relação às escolhas e prioridades do Governo.
Há algum tempo a ideia deste tipo de fundo público tem ocupado a agenda política nacional, mas o Governo Federal brasileiro ainda não tomou nenhum passo concreto nesse sentido, apesar de sinalizar sua disposição de fazê-lo..
Lucia Nader também está certa em ressaltar a escassez de financiamento privado para direitos humanos.
A seu ver, cidadãos brasileiros, devem urgentemente “desenvolver uma tradição robusta de filantropia,” e isso se aplica tanto a indivíduos, quanto a empresas. Como menciona Nader, apenas 30% de contribuições filantrópicas provenientes do setor privado no Brasil vão para organizações independentes, enquanto o resto permanece em grande medida no próprio setor privado, sendo destinadas a financiar projetos sociais implementadas pelas próprias empresas ou institutos criados ou atrelados a elas.
Não resta dúvida, portanto, de que nós brasileiros devemos modificar nossas “preferências filantrópicas locais,” e começar a contribuir financeiramente para grupos de direitos humanos.
No entanto, nem Nader nem Ron e Pandya dedicam muita atenção à legislação brasileira, que é muito pouco favorável para doações em direitos humanos. A legislação brasileira inibe doações privadas, e é esta legislação – juntamente com as instituições encarregadas de aplicá-la e monitorá-la – que constitui um de nossos maiores problemas.
Com algumas poucas mudanças importantes, porém, uma revisão da legislação tributária poderia dar início a uma nova cultura de doação filantrópica.
Notem-se, por exemplo, os incentivos fiscais existentes no âmbito federal. Não há uma política coerente neste seara, prevalecendo “a lei do mais forte,” na qual os únicos grupos autorizados a captar doações incentivadas são aqueles com maior poder de influência no governo e no Congresso, ou grupos que lidam com questões que já contam com apoio público.
Consequentemente, ONGs que trabalham em assuntos como cultura, infância e adolescência, esportes, pessoas idosas, saúde ou pessoas portadoras de deficiência recebem apoio por meio de incentivos fiscais. No entanto, ONGs que trabalham em assuntos mais politicamente sensíveis, como meio-ambiente e direitos humanos, não recebem o mesmo tratamento. Ademais, pouquíssimas ONGs se beneficiam de imunidade tributária plena. Ao invés disso, o Estado muitas vezes recolhe cerca de 4% de todas as doações recebidas pela maioria dos grupos de direitos humanos, por meio de imposto (ITCMD).
Fica claro, portanto, que a legislação tributária brasileira afeta ONGs de direitos humanos de duas maneiras. Ela não incentiva doadores privados a contribuírem e retêm parte dos recursos que finalmente chegam a estas organizações.
Para construir uma base financeira para a comunidade de direitos humanos no Brasil, precisamos criar um fundo público autônomo e pressionar por uma melhor política tributária.
Grupos de direitos humanos dependem de recursos estrangeiros em queda, mas esta situação pode mudar. Nossa economia tem crescido, assim como as demandas dos cidadãos por justiça, e nossos governos, empresas e até mesmo indivíduos podem doar. Para destinar uma parcela, ainda que pequena, destes recursos a grupos locais que trabalham com direitos humanos, o aperfeiçoamento das leis e procedimentos é uma medida fundamental.