As comunidades indígenas na Amazônia estão na linha de frente diante da exploração de combustíveis fósseis e do desmatamento, sofrem vários impactos relacionados ao clima e são as guardiãs de uma região crucial para o clima. A colaboração em ações judiciais para defender e fortalecer os direitos territoriais e as comunidades indígenas - especialmente, à medida que elas são negativamente impactadas e resistem às atividades desastrosas para o clima e para suas comunidades - é uma parte importante do movimento de litígio no combate às mudanças climáticas. Os esforços dos povos indígenas podem e devem ser apoiados por sólidos fundamentos jurídicos que reflitam suas lutas.
Infelizmente, o território originário dos povos indígenas amazônicos abriga dois causadores principais da emergência climática: a exploração petrolífera e o desmatamento. Como muitos de nós sabemos, a produção de petróleo na Amazônia gera emissões de gases que provocam o efeito estufa, contribuindo para as mudanças climáticas. A exploração petrolífera também acarreta desmatamento, já que as estradas e a infraestrutura que são construídas para sua viabilização são seguidas pela agricultura de pequena e grande escala, que também geram emissões de gases de efeito estufa e consomem reservas de carbono fundamentais para mitigar as mudanças climáticas. Níveis alarmantes de extração madeireira na Amazônia aumentam o problema, em grande parte porque o Peru e o Brasil são os dois maiores exportadores de madeira do mundo. Grande parte da extração é feita em território indígena na Amazônia, onde ela não é permitida, mas os documentos para a liberação da madeira são adulterados antes de sua venda, e a madeira é “lavada” e, então, comercializada com compradores em países como China e Estados Unidos.
As comunidades indígenas têm estado na linha de frente pela defesa contra essas graves ameaças, lutando para tornar realidade seus direitos territoriais, consagrados no direito nacional e internacional. Organizações com expertise jurídico, como a EarthRights International, vêm trabalhando junto às comunidades na Amazônia e em outras regiões e testemunharam em primeira mão as lutas indígenas para proteger seus direitos territoriais e ambientais contra as ameaças estatais e corporativas.
Por exemplo, a Nação Wampis do norte da Amazônia peruana recentemente interrompeu o prosseguimento de um lote de concessões petrolíferas em seu território que não levava em consideração seus direitos e os impactos ambientais gerados pelo projeto. As comunidades Achuar, também do norte da Amazônia peruana, processaram a Occidental Petroleum nos Estados Unidos por contaminar o rio do qual dependem. E o povo U’wa da Colômbia segue na sua luta de décadas contra o Estado colombiano para garantir seus direitos territoriais e impedir a produção de combustíveis fósseis em suas terras, com uma petição perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Algumas comunidades indígenas como estas também lutam pelos direitos dos povos indígenas que vivem em isolamento voluntário e contato inicial (PIACI, na sigla em inglês para “Indigenous peoples living in voluntary isolation and initial contact”). O hemisfério ocidental abriga o maior número de PIACI do mundo e, em teoria, estes povos desfrutam de salvaguardas legais destinadas a impedir a extração de recursos naturais em suas terras e evitar o contato potencialmente devastador com o mundo exterior. Porém, frequentemente, os Estados não fornecem e não cumprem estas proteções. É por isso que a Federação Indígena FENAMAD (Federación Nativa del Río Madre de Dios y Afluentes, na denominação original em espanhol), da região de Madre de Dios, na Amazônia peruana, protocolou uma ação perante a CIDH para a proteção dos PIACI das atividades de extração madeireira e de outras ameaças na região.
As comunidades indígenas também estão ativamente colaborando para fortalecer a governança indígena. Um exemplo inspirador é a Sacred Headwaters Initiative, (“Iniciativa das Cabeceiras Sagradas”, na tradução livre ao português) uma coalizão recém-formada de organizações indígenas da Amazônia e de seus aliados que promovem a governança e gestão binacional indígena da região amazônica peruana e equatoriana. Por meio da gestão e administração ancestral indígena destes territórios, ela busca deixar os combustíveis fósseis e os recursos minerais no subsolo e, desta forma, reter cerca de 3.800 milhões de toneladas de carbono.
Os povos indígenas têm reiteradamente apontado que garantir seus direitos territoriais é fundamental para enfrentar a mudança climática e cumprir as metas climáticas.
É evidente, portanto, que diante de graves ameaças, as comunidades indígenas, os defensores ambientais e de direitos humanos e seus aliados têm lutado incansavelmente para defender o território indígena e regiões cruciais para o clima com ações judiciais e estratégias inovadoras como as discutidas acima. Estas ações judiciais, em grande medida baseadas nos impactos locais dos projetos extrativistas e nas violações dos direitos territoriais que eles representam, foram e continuam sendo extremamente importantes para proteger regiões cruciais para o clima, garantir os direitos das comunidades indígenas e enfrentar as mudanças climáticas.
No entanto, normalmente, tais ações não têm incluído fundamentos jurídicos relacionados aos impactos das mudanças climáticas que as comunidades indígenas sofrem. As atividades extrativistas na Amazônia não somente violam os direitos territoriais indígenas, diminuem a autodeterminação e ameaçam a identidade cultural por meio de seus impactos diretos, como também contribuem para os impactos relacionados ao clima sofridos pelos povos indígenas. Por exemplo, as comunidades indígenas no Brasil relataram mudanças nos padrões das precipitações, umidade, níveis dos rios, temperatura e temporadas de incêndio e agricultura afetando modos de vida tradicionais que datam de milhares de anos. O impacto diferenciado que as comunidades indígenas sofrem também foi destacado recentemente em um documento entregue à CIDH. Ademais, tribos no noroeste dos Estados Unidos produziram estudos detalhados sobre como a mudança climática afetou os recursos naturais dos quais dependem. Esforços como estes deveriam ser replicados na Amazônia e em outros lugares.
Nem mesmo, na maioria dos casos, as ações judiciais para proteger e fortalecer os direitos indígenas foram vinculadas às obrigações nacionais e internacionais ligadas às mudanças climáticas. Isto ocorre apesar da conexão entre o cumprimento destas obrigações e a mitigação dos impactos climáticos nessas comunidades que vivem na linha de frente, e apesar da relação direta entre o fortalecimento dos direitos territoriais indígenas e a redução das emissões. Na verdade, os povos indígenas têm reiteradamente apontado que garantir seus direitos territoriais é fundamental para enfrentar a mudança climática e cumprir as metas climáticas.
Dado que as comunidades indígenas e os PIACI sofrem tanto os impactos diretos quanto os relacionados com o clima que são causados pela atividade extrativa em seu território ancestral, e dado que são excelentes guardiões de regiões cruciais para o clima, muito mais pode e deve ser feito para fundamentar os litígios climáticos com base nos direitos indígenas, alavancando o trabalho de litígio climático já em andamento em outros contextos em nome das comunidades indígenas.
Por exemplo, impactos locais relacionados à mudança climática têm sido objeto de uma onda de ações judiciais por danos nos Estados Unidos contra empresas de combustíveis fósseis sob responsabilidade de municípios e Estados, como aquela que a EarthRights International abriu em nome das comunidades no Colorado. Organizações como a Dejusticia da Colômbia e o Instituto de Defensa Legal do Peru impetraram ações constitucionais contra o Estado por ele não tomar medidas adequadas sobre as mudanças climáticas de acordo com as obrigações nacionais e internacionais, vinculando o desmatamento terrestre aos impactos das mudanças climáticas locais que violam os direitos fundamentais da juventude peruana e colombiana. Os juristas devem aproveitar e adaptar estes importantes esforços e argumentos de forma a dar primazia aos direitos territoriais indígenas, os impactos climáticos sobre os povos indígenas e o papel fundamental que as comunidades indígenas desempenham na redução das emissões.
Apoiar os esforços das comunidades indígenas para que elas se protejam, bem como seus direitos territoriais, é imperativo para as comunidades indígenas e para o clima. As lutas dos povos indígenas para defender seus territórios, os recursos naturais dos quais dependem e sua relação com estes recursos devem ser reconhecidos como uma parte fundamental da contenção das mudanças climáticas e podem e devem ser acompanhados por sólidos fundamentos jurídicos baseados nessas lutas.