Novos rumos no financiamento de direitos humanos no sul

A próxima geração de fundações no Sul Global provavelmente ocupará o lugar de vanguarda no que diz respeito à experimentação e aprendizagem. Uma análise do quadro atual de financiamento para direitos humanos e justiça no Sul Global traz razões tanto para decepção, quanto para otimismo. Para efeitos desta análise, eu desconsidero financiamento oficial por parte do governo – embora, haja um grande debate nesta seara – e considero apenas o espectro mais limitado da filantropia privada.

A maioria das críticas já conhecidas ao apoio de fundações a direitos humanos e justiça ainda é pertinente.Entre estas críticas, podem ser citadas - além do problema real de simplesmente não ter dinheiro suficiente - estratégias precárias de financiadores, covardia, falta de atenção, obsessão por constantes processos de avaliação, pouca ou nenhuma prestação de contas e ausência de centros de pesquisa e de aprendizado comprometidos com o financiamento de direitos humanos e justiça.

A maioria dos financiadores que se ocupa de questões relativas à pobreza, injustiça e violações de direitos humanos ainda adotam estratégias que podem ser qualificadas como “caridade” – financiamento da prestação de serviços para amenizar sofrimento ou uma injustiça imediata. Embora estes financiamentos sejam importantes caso você seja a vítima, estas estratégias nada dizem sobre as causas de injustiça, deixando-as intocadas. Por conseguinte, foco em caridade raramente trata das razões estruturais muitas vezes invisíveis de injustiça, sejam estas de ordem legal, econômica, política ou cultural.

Fundações também costumam ter prazos excessivamente curtos, além da pressão interna para financiar algo novo, ao invés de tratar dos mesmos problemas antigos. No entanto, justamente o oposto é necessário se houver interesse não apenas em documentar uma violação de direitos humanos, mas trabalhar para erradicá-la. Mudança social leva tempo e esforço, e muitas vezes requer avaliação e ajuste estratégicos. Não obstante, poucas fundações pensam em termos de décadas de financiamento, mas sim em ciclos anuais.

Outro problema são as tentativas muitas vezes equivocadas das fundações de mensurar sucesso, e sua obsessão aparentemente cega por indicadores. Claro que medir e compreender resultados positivos pode ser uma ferramenta importante de aprendizado e mudança. Ainda assim, o trabalho de avaliação mais recente trata de questões gerenciais e financeiras, não mede impacto social, e é profundamente onerosa. Além disso, poucas fundações possuem mecanismos de aprendizagem eficazes.

Prestação de contas por parte dos financiadores ainda é uma lacuna. Um exemplo muitas vezes citado é a Fundação Gates, cujos ativos são maiores do que o Produto Interno Bruto de 40 dos 52 países da África, mas presta contas a apenas três curadores - Bill & Melinda Gates e Warren Buffet - nenhum deles africanos. A maior parte do financiamento para direitos humanos no Sul Global ainda provem do Norte. Por conseguinte, este é o lugar onde doadores tomam a maioria das decisões sobre de que forma questões de direitos humanos devem ser formuladas, e sobre a escolha e uso de estratégias, muitas vezes sem que seja dada voz a regiões do mundo onde a maior parte do trabalho será feito. Embora seja preciso ter cuidado para não regular por demais fundações e restringir indevidamente seu potencial criativo, ainda há espaço para regras mais ponderadas sobre governança e prestação de contas. Em especial, isto é verdade quando esse enorme poder e riqueza (que agora é pública) estão danosamente concentrados nas mãos de poucos.

Qual, então, é a boa notícia sobre o financiamento global para os direitos humanos? Há algumas tendências interessantes que merecem ser citadas, incluindo novos financiadores, diferentes tipos de financiadores, e novas redes para fortalecê-los.

Ao longo das últimas duas décadas, o leque global de fundações mudou profundamente, com muitas novas fundações com sede em e originárias do Sul Global. Novas instituições como TrustAfrica (Senegal) e a African Women's Development Foundation (Gana) agora dialogam com a África, a partir da África. Embora ainda dependam fortemente de financiamento do exterior, esses grupos têm conseguido cada vez mais arrecadar dinheiro de doadores africanos, incluindo indivíduos, grupos da sociedade civil e empresas. Por exemplo, várias companhias aéreas nacionais africanas disponibilizam envelopes “doe seu troco” nos assentos dos voos. Mais importante ainda, estes doadores africanos propiciam uma voz diferente na conversa entre financiadores.

Senegalese citizens demonstrate for human rights in the streets of Dakar. El Korchi Abdellah/Demotix. All rights reserved. 

Outras fundações independentes na África, Ásia, América Latina e Oriente Médio estão cada vez mais visíveis - embora nem todas estas fundações estejam comprometidas com direitos humanos e justiça. Vários grandes fundos no Golfo Pérsico, por exemplo, parecem mais interessados em promover o nome do doador para fins de marketing. Porém, em outro exemplo interessante, a Welfare Association na Palestina mudou seu foco ao longo dos anos da prestação de serviços a programas de financiamento com foco em direitos e justiça. Em Israel, o New Israel Fund está sob ataque de conservadores por seu firme apoio a direitos humanos e justiça social. Na Índia, a Dalit Foundation é administrada por, organiza, treina e defende direitos dos dalits (os chamados intocáveis) mesmo em face de grandes obstáculos.

Há também um crescimento rápido de fundos explicitamente dedicados a direitos humanos e justiça. Algumas destas fundações, como o Fundo Brasil de Direitos Humanos e o Arab Human Rights Fund, são estruturadas especificamente para atender a uma determinada região ou, no caso do Fund for Global Human Rights, para oferecer doações de forma mais ampla. Outras, como o Astraea Lesbian Fund for Justice, que concede bolsas em 39 países, e a Santamaria Fundacion GLBT na Colômbia, estão entre um número crescente de fundações que apoiam direitos da população LGBT, presente em quase todas as partes do mundo. 

Outra tendência importante é o crescimento dos fundos comunitários em todo o Sul Global. Ao contrário de seus pares nos EUA e no Reino Unido, onde as fundações comunitárias são muitas vezes politicamente tímidas, muitos destes grupos de doadores comunitários ajudam a consolidar uma base de apoio entre grupos marginalizados e a negociar seus direitos com o Estado. A Kenya Community Development Foundation (Nairobi), a Waqfeyat al Maadi Community Foundation (Cairo) e a Amazon Partnerships Foundation(Equador),  entre muitas outras fundações, representam uma nova visão para o fortalecimento comunitário. Estas fundações também desafiam muitos pressupostos sobre ajuda exterior ao desenvolvimento, como por exemplo a imposição de como problemas e estratégias devem ser identificados, e a falta de iniciativa da própria comunidade. A maioria das principais fundações nos EUA e na Europa, assim como a maioria das agências de ajuda bilaterais desconhecem este fenômeno crescente.

Talvez o conjunto mais interessante de financiadores são os que tratam especificamente de direitos de mulheres e meninas. Apesar do Global Fund for Women (EUA) e MamaCash (Holanda) operarem em todo o mundo, um número crescente de fundos voltados a direitos de mulheres encontra respaldo em comunidades nacionais e locais. Da Sérvia a Mongólia, e da Bulgária a Bangladesh, a International Network of Women’s Funds (INWF) conta com quase 50 membros. Este número não inclui os fundos voltados a direitos das mulheres nos EUA. Muito embora grande parte destes fundos tenham orçamentos muito limitados, eles representam um novo movimento de doações filantrópicas. Um exemplo particularmente impressionante é Tewa, o fundo voltado a questões das mulheres do Nepal, que levantou recursos de mais de 3.000 doadores nepaleses, a maioria de recursos muito modestos. Embora grandes fundações, muitas vezes, subestimem pequenas doações deste tipo, estas não compreendem a importância crítica da construção do poder local e da propriedade comunitária. Tewa e outros fundos voltados a direitos das mulheres estão intimamente ligados uns aos outros por meio da INWF, e demonstram um alto grau de trabalho coletivo e aprendizagem conjunta, diferentemente da maioria das principais fundações. Em alguns casos, os fundos voltados a direitos das mulheres formam coalizões regionais, como no caso da América Latina, para enfrentar problemas comuns. 

INWF é apenas uma das várias redes de financiadores hoje atuantes que apoiam direitos humanos e justiça no Sul Global. Essas novas redes têm uma vitalidade e seriedade em seus objetivos em grande parte ausentes no Norte. As exceções incluem grupos como Ariadne na Europa, que tem parceria com o International Human Rights Funders Group para financiar direitos humanos em todo o mundo. Vários grupos focados em temas específicos (por exemplo, Foundations for Peace) e aqueles grupos localizados em áreas específicas (por exemplo, a African Grantmakers Network) têm engajado ativamente seus membros no trabalho com questões relativas a direitos humanos, justiça social e construção da paz – o que representa uma mudança do papel tradicional de associações compostas por fundações.

Assim, enquanto velhos problemas permanecem, novos financiadores têm surgido com um compromisso explícito com justiça e direitos. Eles têm desafiado os discursos filantrópicos dominantes e, em alguns casos, têm experimentado práticas radicalmente diferentes. Em um exemplo desta nova forma de pensar, alguns grupos têm considerado diminuir a dependência única no aporte de fundações e buscado não apenas doações modestas – mas a possibilidade de angariar pequenas porcentagens dos enormes fluxos internacionais de recursos financeiros. Ideias como essas indicam que esta nova geração de fundações no Sul pode vir a ocupar o papel de vanguarda no que diz respeito à experimentação e aprendizagem.