Desde que assumiu a presidência do Brasil, Jair Bolsonaro vem promovendo uma política de destruição da Amazônia e dos povos indígenas para impulsionar projetos de desenvolvimento em territórios protegidos. Diante disso, um grupo de advogados e defensores de direitos humanos está acusando o presidente brasileiro de crimes contra a humanidade no Tribunal Penal Internacional. Será esse o caso paradigmático que irá definir novos rumos da proteção internacional de direitos humanos e do meio ambiente?
Jair Bolsonaro assumiu a presidência do Brasil em janeiro de 2019, prometendo que paralisaria a demarcação de terras indígenas no país, reduziria a fiscalização ambiental, combateria o “ativismo” das organizações não-governamentais e promoveria o desenvolvimento na Amazônia explorando terras ocupadas por povos indígenas.
Desde o primeiro dia de governo, ele imprimiu ao país uma série de medidas que desmantelou as políticas de proteção socioambiental existentes como o congelamento do Fundo Amazônia e do Fundo Clima, o perdão de multas ambientais já aplicadas, a exoneração e perseguição de funcionários públicos que desobedeceram as “novas diretrizes” e uma série de omissões que impulsionaram queimadas catastróficas na floresta amazônica, no pantanal e em outros biomas.
Passados dois anos, nota-se que o seu governo foi além e catalisou uma grave crise ambiental e de direitos humanos sem precedentes. Junto com o aumento da mineração ilegal e do desmatamento para expansão do agronegócio, ataques de grupos armados vem forçando povos indígenas, defensores de direitos socioambientais e populações tradicionais a deixarem seus territórios ou enfrentarem a violência incentivada pelos discursos do presidente brasileiro.
A situação poderia ser ainda pior se não fossem uma série de ações judiciais propostas por atores da sociedade civil brasileira impedindo a implementação de parte das políticas de devastação impulsionadas pelo governo Bolsonaro e seu Ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles. Há um consenso de que o controle da ação política por meio de ações judiciais tem suas limitações, mas o debate sobre possíveis crimes contra a humanidade cometidos por Bolsonaro na Amazônia tem crescido fortemente no Brasil e na comunidade internacional.
Ocorre que hoje, o sistema de justiça brasileiro é incapaz de promover a responsabilização criminal pelos atos de Jair Bolsonaro, seja pelo regime de imunidades previstos na Constituição brasileira, mas sobretudo pelo total controle político que Bolsonaro possui sobre o único cargo que pode propor investigações e ações penais contra o Presidente da República na Suprema Corte brasileira.
Nesse contexto, em novembro de 2019, um grupo de advogados brasileiros reunidos no CADHu - Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos e na Comissão Arns, apresentaram ao Tribunal Penal Internacional, um caso pedindo que Bolsonaro seja responsabilizado pessoalmente pelos ataques sistemáticos e generalizados ao ecossistema e aos povos indígenas e tradicionais da Amazônia. De acordo com o pedido, o conjunto de medidas, discursos e omissões do Presidente configuram crimes contra a humanidade previstos no Estatuto de Roma.
No documento enviado à Procuradora do tribunal, são listados 33 fatos que demonstram que o Governo Bolsonaro, sob pretexto de desenvolvimento da região Amazônica, converte o ataque à população indígena e às terras por ela ocupadas em uma política de governo intencional de violação de direitos dessa população. A intenção criminosa pode ser identificada nos pronunciamentos presidenciais de que os povos indígenas precisam “ser integrados à sociedade brasileira” e nos projetos de infraestrutura, mineração, extração de madeira e o agronegócio na região da floresta amazônica impulsionados pelo governo federal.
Os argumentos jurídicos da peça se baseiam na caracterização de que os atos cometidos por Jair Bolsonaro enquanto presidente da república colocam os povos indígenas e originários da Amazônia em risco de genocídio e deslocamento forçado, diante de uma política estatal generalizada e sistemática de desinstitucionalização da política indigenista brasileira, destruição das condições de vida e os modos de existência desses povos pela contaminação dos rios e a invasão de suas terras por garimpeiros, madeireiros e grileiros.
Por se tratarem de crimes contra a humanidade perpetrados através da destruição do meio ambiente, o caso apresentado ao TPI pelo Cadhu e pela Comissão Arns, irá contribuir para o debate sobre a caracterização de ecocídio e sua aplicação no âmbito internacional.
Ecocídio pode ser definido como uma conduta de alguém que promove intencionalmente a destruição ou perda extensa do ecossistema de um território e sua biodiversidade, impedindo o uso de água, do solo, subsolo ou mesmo do ar da região. O debate sobre o ecocídio remonta os anos 70 e ganhou maior projeção nos nos fóruns de discussão das Nações Unidas para que o ecocídio seja considerado crime por normas internacionais.
Apesar do ecocídio ainda não ser um crime autônomo previsto no direito internacional, em 2016, a Procuradoria do Tribunal Penal Internacional, sob liderança da Sra. Fatou Bensouda, publicou um Policy Paper que aponta para a priorização de investigação de casos que envolvam danos ambientais, exploração ilegal de recursos naturais e grilagem de terras cometidos no contexto dos crimes previstos no Estatuto de Roma.
A medida abriu uma janela de oportunidade para que casos como o de Bolsonaro na Amazônia fossem levados à Corte, tendo em vista que em apenas dois anos de governo a Amazônia teve sua maior devastação já registrada.
Mas mais do que o debate sobre a caracterização de ecocídio, a comunidade internacional poderá julgar se os atos do Presidente brasileiro está provocando o genocídio de povos indígenas e tradicionais da Amazônia, seja pela destruição de seu modo de vida que depende da floresta e de territórios protegidos, seja pelo incentivo ao seu extermínio.
Outros pedidos de investigação de Bolsonaro por crimes contra a humanidade foram enviados ao TPI, inclusive com relação às suas ações negacionistas relacionadas à pandemia de COVID-19 e que já levou à morte mais de 200 mil pessoas. Até o momento, somente este caso proposto pelo CADHu e pela Comissão Arns foi admitido pela Procuradoria do TPI para a fase preliminar de investigação.
Ainda não há evidências de que o avanço nas investigações no âmbito do TPI irá inibir os atos de Bolsonaro, mas na medida em que o tempo passa, mais evidências de atos criminosos serão levadas ao tribunal, tornando o caso um potencial paradigma de proteção internacional de direitos humanos e do meio ambiente. Até lá o Brasil terá que encontrar outras alternativas para conter a devastação que está em curso na Amazônia.
Este é mais um caso que revela que os mecanismos globais de proteção do meio ambiente e dos direitos humanos vigentes não se mostram suficientemente fortes para conter as políticas de devastação ambiental e genocídio como as atualmente promovidas pelo Governo Bolsonaro no Brasil. Também serve de alerta a outros países para que olhem para suas instituições de forma crítica e avaliem se de fato, elas conseguiriam conter medidas autoritárias e criminosas de líderes democraticamente eleitos como no caso brasileiro.